Mês: novembro 2016

Cinema como um emblema democrático – por Alan Badiou (2009)

 

220px-alain_badiou-2

Por Alain Badiou, via Parrhesia, traduzido por Gabriel Tupinambá

A Filosofia só existe na medida em que existem relações paradoxais, relações que falham em se conectar, ou que não deviam fazê-lo. Quando toda conexão é naturalmente legítima, a Filosofia é impossível ou vã. Filosofia é a violência imposta pelo pensamento às relações impossíveis.


Hoje, que é o mesmo de dizer “após Deleuze”, existe uma requisição clara da filosofia pelo cinema – ou do cinema pela filosofia. É certo, portanto, que o cinema nos oferece relações paradoxais, conexões inteiramente improváveis.

Mas quais?

A resposta pré-formada da filosofia se resume a dizer que o cinema é uma relação insustentável entre artifício total e realidade total. O cinema oferece simultaneamente a possibilidade de uma cópia da realidade e uma dimensão totalmente artificial dessa cópia. Com as tecnologias contemporâneas, o cinema é capaz de produzir o real artifício da cópia de uma falsa cópia do real, ou ainda, a falsa cópia real de um falso real. E outras variações. Isso acarreta dizer que o cinema se tornou a forma imediata (ou “técnica”) de um antigo paradoxo, o das relações entre ser e aparência (que são muito mais fundamentais do que as relações por toda parte faladas entre o virtual e o atual). Nós podemos assim proclamar que o cinema é uma arte ontológica. Muitos críticos, André Bazin em particular, vem dizendo isso há muito tempo.

Eu gostaria de abordar a questão de uma maneira infinitamente mais simples e empírica, removida de toda pré-formação filosófica, começando com a elucidação de um enunciado: o cinema é uma “arte de massas”.

O sintagma “arte de massas” pode ter uma definição elementar: uma arte é uma “arte de massas” se as obras primas, as produções artísticas que a cultura erudita (ou dominante, o que seja) declara incontestáveis, são vistas e apreciadas por milhões de pessoas de todos os grupos sociais no momento mesmo de sua criação.

(mais…)